Somos Nós: José Carlos Faria
(Des)confinar / (sobre)viver…
Sobre o viver, que dizer?
Eu, que apesar de nunca me ter dado mal comigo, confesso sair deste exílio doméstico com sentimentos contraditórios: por um lado, um certo alívio, que, apesar de inevitável, me envergonha um pouco, dado que, pelo outro, me confronto com a mágoa irreparável de saber que um milhar e meio de compatriotas pereceram neste trágico balanço quotidiano de contar a epidemia em números que foram vidas.
A breve trecho, com uma enorme gratidão a todos que, numa conjuntura difícil, nas diversas frentes, conseguiram manter o país a funcionar com a normalidade possível, procurar restabelecer os laços vitais que nos ligam como comunidade, reassumir uma plena cidadania e nela os gestos solidários e críticos que se impõem, rechaçar todos aqueles que, com o pretexto do vírus, dão largas a uma cobiça imoral, buscando indecentes vantagens à custa dos desvalidos, sair à rua tal como a Blimunda do Memorial, para recolher não almas mas sim ânimos e vontades, reencontrar os imprescindíveis amigos nessa preciosa alegria de viver.
Fechar o hiato, preencher o vazio de existência a que fomos forçados.
Retomar o trabalho (o qual, em boa verdade, nunca se interrompeu, nas múltiplas tarefas preparatórias que antecedem a apresentação de um espectáculo). O Teatro, por definição e prática, a mais directa das Artes, não é de fruição solitária. Em assembleia de iguais, precisa do seu público como do ar que se respira.
Na Londres de Shakespeare, devido à peste, várias vezes fecharam os Teatros. Reabriram sempre. Quatro séculos depois, cá continuamos. E estaremos!