Somos Nós: Mafalda Milhões
DA MINHA VARANDA
Nunca medi o tempo da minha varanda.
Nunca contei as pingas da chuva nem avaliei a qualidade do calor dos raios de sol.
Nunca imaginei que o mundo tivesse varandas e tão pouco sabia que eu própria tinha
Varandas!!!
Descobri-me dentro de mim com vontade de estar nas varandas dos outros.
Em Fevereiro da minha varanda conversava com a Laura em Itália e fazia planos para nos
juntarmos à varanda as duas com o André e o Miguel numa varanda em Bolonha.
Em Março já estava farta de estar à varanda e sentia-me mais segura do lado de dentro.
Em Abril celebrámos a liberdade à varanda de um amigo e da minha varanda chorei por
outro amigo que partiu.
Em Maio dei-me conta de que sou imperfeita, só consigo fazer uma coisa de cada vez.
Agora tiro as medidas ao tempo da minha varanda,
Conto as pingas da chuva,
Avalio e aprecio a qualidade dos raios de sol.
A minha varanda tem o símbolo do CCB grafitado numa das faces. Cá dentro somos nós
que fazemos a programação cultural, gerimos o orçamento e não falhamos aos eventos.
Na minha varanda eu penduro o que me apetece.
Eu leio muito… mas nunca à varanda porque não tenho espaço para me esticar.
À minha varanda sou incondicionalmente grata ao mundo, à vida... e ainda que de vez
enquanto mingue, dou-me conta de que a minha varanda me agiganta quando falo cá de
cima e me rio com os vizinhos.
Da minha varanda a Matilde vê o futuro e tem esperança, a Maria dá uma gargalhada e o
Pedro manda recados quando me esqueço da chave de casa.
Da minha varanda eu sinto o cheiro do livros nas prateleiras da livraria que já não é só
Minha.
Da minha varanda duvido, irrito-me, ponho a humanidade em causa e imagino-me para lá
de Bagdad.
Da minha varanda eu tenho fé, encho os pulmões de ar sempre que me apetece.
Eu, da minha varanda apresento-me de corpo inscrito na cidade e sonho com o dia em que
vamos mudar para o campo.
De vez em quando encontro-me comigo mesma nos reflexos da vidraças das portas da
minha varanda e sinto-me em paz.