Somos Nós: Joana Simões
Acordar todos os dias com uma sensação estranha. Fez-me lembrar quando eu era pequena e os meus pais saíam de manhã para trabalhar. Acordava cedo e ficava imóvel na cama. Esmagada pelo silêncio (Se fechar os olhos o início do dia é adiado e os meus pais voltam?)
É isso. Parece que tudo ficou suspenso no tempo. Como se sustivéssemos a respiração durante muito, muito tempo. Ou tapássemos os ouvidos. É como estar de baixo de água.
…
“Quantos foram hoje?” De repente pessoas são números.
A informação constante deixa-me como que dormente.
…
O estirador de madeira é onde passo grande parte do dia. Trabalho para uma ONG no âmbito dos direitos humanos e inclusão das pessoas com autismo. Trabalho no backoffice, por isso, felizmente, posso continuar a trabalhar. Ao fim do dia faço trabalho gráfico para uma ONG de defesa dos direitos dos animais não-humanos. A seguir pego nas coisas da tese do mestrado. A minha cabeça entrou em missão “ocupação absoluta de pensamentos”. Dói-me o corpo das horas infinitas ao computador.
Tenho saudades da minha família e dos meus amigos. “Parece que voltaste a emigrar” diz a minha mãe ao telefone.
É um bocadinho como sentirmo-nos “estrangeiros”, sim. Em nós mesmos. Nesta nova realidade.
A pandemia para mim tem estado a ser como este texto. Não tem uma linha clara. Tenho dificuldade em encontrar as palavras certas. Os pensamentos estão desordenados, baralhados. “sinto-me como se tivesse um escafandro na cabeça” digo às vezes ao O.
